sábado, 5 de março de 2011

Viciou-se em querer uma pessoa só...

(...) De repente a cidadã baladeira ouviu o toque de recolher. Acabou a graça de sair pra paquerar pessoas que não vão dar em nada. Acabaram as noites sem dias seguintes, os dias seguintes que ainda eram a balada da noite anterior. A cidadã, que nunca teve lá muitos vícios, se viciou. Viciou-se em querer uma pessoa só. Que agüente todas suas manias. Que faça todas as vontades dela: viajar, sorrir, cantar, comer, beijar. A cidadã ex-festeira recolheu suas fichas e foi apostar em outro lugar. Mais seguro. Com menos risco (ou não). A cidadã prefere acordar de manhã e saber pra quem ligar. Prefere estar com alguém que conheça seus defeitos, que tolere suas pirraças, que a ame apesar do que ela é...

"Não foi à toa que Adélia Prado disse que "erótica é a alma". Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. O corpo só é erótico pelos mundos que andam nele. A erótica não caminha segundo as direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras. Não existe amor que resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isso, Nietzsche disse que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: "continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?"

(Rubem Alves)

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